sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Terceiro Ato


Natal. Shane olhou pela janela a neve que caía incessavelmente. Luzes brilhavam ao longo de toda a rua. O simples piscar - desenfreado e sem uma lógia aparente - já era o suficiente para que a cabeça da garota girasse. Era possível distinguir vozes cantarolando músicas natalinas à distância. Malditas músicas natalinas. Maldito natal. Maldito frio. Puxou mais o cobertor contra o corpo magro. Ótimo dia para o aquecimento do apartamento pifar. Ia acabar congelando antes que o feriado chegasse ao fim e alguém se dignasse a ir consertar o sistema.

Pelo menos uma coisa era certa. O frio combinava com a solidão. Riu de si mesma quando percebeu quão patética estava sendo. Desde quando precisava de alguém para se sentir completa? Além do mais, a escolha de passar o feriado sozinha tinha sido exclusivamente dela. Quase morreu tentando convencer Cassadee de que ficaria bem e que não precisava ir comemorar junto com a família da melhor amiga.
Chega de lamentação. Aquilo tudo não ia levar a lugar algum. Largou o cobertor na poltrona mais próxima e abriu o armário. Não ia ter o trabalho de se arrumar. Jogou um casaco pesado por cima dos ombros finos, calçou uma bota sem salto, pegou as chaves e saiu.

As ruas estavam praticamente desertas. Todo mundo tinha algo mais interessante para fazer do que perambular pela cidade no natal. Parou em um mercadinho pra comprar algum pão. Pelo menos os cisnes ficariam bem felizes em fazer companhia a ela - pelo menos enquanto tivesse pão. Continuou andando até chegar no seu parque preferido. Puxou mais a gola do casaco de modo que cobrisse o nariz.

Ao longe, já era possível ver o lago e todos os cisnes que pareciam nem se importar com a temperatura negativa. Soltou um suspiro irritado ao ver que não poderia ficar sozinha, afinal. Um homem dividiria o espaço com ela. Aproximando-se mais, notou os traços familiares. Congelou quando Chuck virou e seus olhos se encontraram.

- Shane...

Ela virou, com a firme determinação de ir embora. Malditos cisnes. Não deu cinco passos antes que ele conseguisse alcançá-la.

- Shane, espera! - as mãos quentes, ainda que sem luvas, seguraram as dela. - Eu não vou deixar você ir dessa vez. Eu sei que tenho que explicar muita coisa. Muita coisa mesmo. Mas eu não podia te deixar sozinha hoje.

- Como você sabia que eu ia vir aqui? - finalmente virou para ele. Os olhos verdes sem nenhuma emoção.


- É o seu lugar preferido no natal. Era o meu palpite de sorte. Parece que eu acertei dessa vez. Escuta, eu sei que você não quer me ver. Eu entendo. Mas hoje..só por hoje. Lembra como nós prometemos que íamos passar o natal juntos? Antes de eu estragar tudo, claro..

- Exato, antes de você estragar tudo. O que te faz pensar que eu preciso da sua companhia?

- Foi aqui que a gente se conheceu. Há exatamente um ano atrás. Você não viria se não precisasse. E eu preciso de você também. Você sabe disso. Depois de tudo o que aconteceu...Como poderia ser diferente? Shane, eu não vou deixar você fugir dessa vez.

Chuck puxou-a mais pra um abraço desajeitado. Era quase fácil demais, devido a diferença de tamanho.

- Eu não vou mais te deixar, Shane. Nunca mais.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Segundo Ato


Dobrou o jornal ao meio e apoiou lentamente na mesa do Café. Cada movimento seu parecia extremamente calculado. Até o jeito de virar o pescoço para observar os outros clientes. Tamborilou os dedos na tampa da mesa, impaciente. Ele estava atrasado. Sorriu convidativamente para o garçom bonito que se aproximava. Ninguém disse que ela não podia se divertir enquanto esperava.

- O que eu posso trazer pra você? - ele sorriu abertamente.

- Um Frappuccino de Morango, por favor. - umedeceu os lábios com a ponta da língua e notou que ele prendera a respiração. Engoliu um riso de satisfação enquanto o garçom se afastava. Previsível demais. Fácil demais. Quase nem tinha graça.

Virou a cabeça na direção da porta quando ela se abriu. Sua intuição novamente se mostrara certa. Os passos largos e confiantes trouxeram ele para perto dela em poucos instantes. A garota morena ergueu o rosto, apenas para ter um beijo roubado. Franziu o cenho, observando ele puxar a cadeira e se jogar nela, sem cerimônia.

- Você demorou demais. Estava começando a achar que ia ter que me entreter com outras pessoas. - lançou um olhar de esguelha para o balcão do café onde seu garçonzinho pegava o pedido de um casal.

- Talvez...você ainda queira fazer isso. A Scarlett apareceu lá em casa ontem à noite.

- O que isso significa? - perguntou com a voz mais baixa, a confiança ligeiramente abalada.

- Eu não resisti, Shane. Eu sinto muito. - ele deixou os ombros caírem como se levassem um peso grande demais.

Ela parou tudo o que fazia. Naquele momento percebeu como ele era realmente. Só mais um. Apenas mais um.

- Você não precisa ligar mais. Eu não vou atender. - levantou e saiu sem olhar para trás uma única vez. Ele não a seguiu.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Primeiro Ato


Sentou no meio fio com a cerveja na mão. O gosto desagradavelmente amargo da cevada invadia sua boca a cada gole. Ainda assim, continuava tomando. Gole após gole. Garrafa após garrafa. Pressionou a têmpora com uma das mãos. Olhou o céu estrelado e deixou que um longo suspiro escapasse. Naquele momento e somente naquele momento estava permitindo-se ser ela mesma. Sabia que, enquanto estivesse sozinha, podia ser fraca. Podia se sentir indefesa. Não escutou os passos silenciosos atrás de si. Tampouco escutou quando ele se abaixou. Mas aquele par de braços que se enroscou ao redor dela, reconheceria em qualquer lugar. Não disse nada, não se moveu. Apenas continuou observando as constelações confusas.

- Vai ficar aqui fora pra sempre? - ele perguntou com a voz macia. - As pessoas estão sentindo sua falta lá dentro, sabia?

Ela piscou os olhos quase esverdeados. Abriu a boca, sem saber exatamente as palavras que iam sair dela.

- Eu só preciso de você aqui. Por favor...Não me solta. Me deixa ficar assim...Só mais um pouco.

Ele sorriu ligeiramente. Mergulhou o rosto nos cabelos dela, absorvendo cada aroma. Cigarro, shampoo, perfume, suor. Tudo misturado em um redemoinho de sensações. Apertou mais os braços ao redor dela. Sabia que era a única pessoa a quem mostraria sua verdadeira face algum dia.

- Temos todo o tempo do mundo, pequena.