sábado, 22 de maio de 2010

Quinto Ato


- Eles não entendem! Ninguém entende! As vezes acho que nem mesmo você entende, Chuck. E mesmo assim, você é a única coisa que eu tenho. A única coisa que tem me impedido de cair. - Shane deixou os ombros caírem, como se eles carregassem um peso maior do que o que ela podia aguentar. O peso de todos os problemas que rondavam sua vida ultimamente. Os grandes olhos azuis continuavam fixos em Chuck, quase que procurando uma resposta. Antigamente poderiam ter refletido todas as emoções conflitantes que costumava sentir. Agora, só estavam repletos de desilusão. 

- Na verdade, Shane. Quem não entende nada é você. Quando você vai parar de fugir e encarar o problema de frente? O problema nunca foram seus pais, ou a Cassie, ou até mesmo eu. O problema sempre foi você, Shay. Você diz que está sozinha o tempo todo, mas foi você mesma que criou essa situação. Nem eu posso continuar do seu lado se você vai continuar fugindo. Nem eu posso continuar do seu lado se você continuar me empurrando. A parte engraçada é que você sempre reclamou que eu te empurrava. Que eu nunca deixei você entrar. Realmente, quem está fechando quem , no momento? - Chuck mordeu o interior da bochecha. Dizer aquilo tudo, estava sendo mais difícil do que esperava. Mas simplesmente não podia deixar que ela continuasse naquele processo insano de auto-destruição. Não podia sentar e fingir que não se importava. Engoliu em seco quando viu o efeito que suas palavras causaram. Continuou repetindo para si mesmo que era necessário, mesmo quando viu os olhos dela se encherem de lágrimas.

Shane sorriu. O sorriso mais falso que já tinha dado em sua vida. Nem sequer sabia o porque do sorriso. Talvez fosse para evitar as lágrimas. Ou para dizer a si mesma que estava bem. De algum jeito, sabia que precisava ouvir aquilo. Mas saber não tornava nada mais fácil. Ele se aproximou dela, incapaz de deixar que chorasse sozinha.

- Eu te odeio, Charles. Eu te odeio. Eu te odeio, eu te odeio, eu te odeio! - fechou os punhos finos com toda a força que tinha, cravando as unhas nas palmas das mãos. Avançou para cima dele, socando quantas vezes conseguisse. Chuck passou os braços ao redor do corpo fino, sem parecer se importar com os socos no peito. Abraçou-a com força, até que toda a raiva dela se transformasse em choro. Apoiou o queixo no topo da cabeça de Shane.

- Eu sei, Shay. Eu amo você também.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Quarto Ato


Shane parou de se mover, apavorada. A noite tinha ruídos estranhos e o escuro tornava tudo ainda mais assustador. Estava sozinha no grande quarto conjunto do orfanato. As freiras tinham uma hora certa para apagar a luz, não importando se as garotas não estivessem com sono. A garota de nove anos tremeu quando ouviu os cachorros latindo lá fora.
Afundou-se embaixo das cobertas, tentando cantarolar alguma musica. Qualquer uma serviria. Só precisava dar um fim aos ruídos ensurdecedores. Ao longe, conseguia ouvir o tique taque incansável do relógio. Nunca tinha gostado do escuro. E o fato de estar sozinha apenas agravava a situação.

A Shane de 22 anos se recostou contra a parede do apartamento deserto e escuro. A luz tinha faltado e Cassie ia passar a noite fora. Era só ela e o escuro. Isso parecia desconfortavelmente familiar. Pegou o celular e colocou uma música para tocar. Assim ia se distrair. Cantou junto com a primeira que tocou, mas a segunda já não parecia mais confortá-la.
Ficou olhando para o visor luminoso do celular. A foto do fundo a mostrava dando um raro sorriso. Nem sequer gostava daquela foto, mas sabia que Cassadee a mataria se mudasse.  Abriu os contatos. Foi passando nome por nome como quem não quer nada. Discou um número que poderia ter digitado de memória. Colocou no viva-voz e esperou pacientemente que atendessem.
- Shane? – Chuck perguntou com uma voz surpresa. Surpresa demais.
- Ahm. Oi, Chuck. – respondeu, começando a se sentir idiota.
- Ta tudo bem?
- Ah. Sim, claro. É só que acabou a luz e eu meio que não tinha nada pra fazer, então decidi dar uma ligada e ver como você estava. – parou por um segundo, reparando quão idiota estava parecendo. Arrependeu-se na mesma hora de ter ligado. Deveria ter ficado com as músicas que ganharia mais. Aliás, não sabia nem porque estava ligando. Ela não estava com medo. Não é?
- Sei. Eu estou bem. A Cassie saiu?
- Foi.
- Você ta com medo, não ta?
- Claro que não, Charles. Não seja ridículo. Eu sou bem grandinha pra ter medo do escuro, não sei se você chegou a perceber.
- Estou indo praí.
E o telefone ficou mudo.

(Confesso que a vida do X-Rated de agora em diante, vai depender da reação desse post. E acreditem, talvez ele seja o mais simples de todos os textos que eu mandei até agora mas é o que, de longe, significa mais pra mim. Tenho certeza de que algumas pessoas vão entender o porquê. Enfim, amo vocês e tratem de me deixar orgulhosa. <3)

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Terceiro Ato


Natal. Shane olhou pela janela a neve que caía incessavelmente. Luzes brilhavam ao longo de toda a rua. O simples piscar - desenfreado e sem uma lógia aparente - já era o suficiente para que a cabeça da garota girasse. Era possível distinguir vozes cantarolando músicas natalinas à distância. Malditas músicas natalinas. Maldito natal. Maldito frio. Puxou mais o cobertor contra o corpo magro. Ótimo dia para o aquecimento do apartamento pifar. Ia acabar congelando antes que o feriado chegasse ao fim e alguém se dignasse a ir consertar o sistema.

Pelo menos uma coisa era certa. O frio combinava com a solidão. Riu de si mesma quando percebeu quão patética estava sendo. Desde quando precisava de alguém para se sentir completa? Além do mais, a escolha de passar o feriado sozinha tinha sido exclusivamente dela. Quase morreu tentando convencer Cassadee de que ficaria bem e que não precisava ir comemorar junto com a família da melhor amiga.
Chega de lamentação. Aquilo tudo não ia levar a lugar algum. Largou o cobertor na poltrona mais próxima e abriu o armário. Não ia ter o trabalho de se arrumar. Jogou um casaco pesado por cima dos ombros finos, calçou uma bota sem salto, pegou as chaves e saiu.

As ruas estavam praticamente desertas. Todo mundo tinha algo mais interessante para fazer do que perambular pela cidade no natal. Parou em um mercadinho pra comprar algum pão. Pelo menos os cisnes ficariam bem felizes em fazer companhia a ela - pelo menos enquanto tivesse pão. Continuou andando até chegar no seu parque preferido. Puxou mais a gola do casaco de modo que cobrisse o nariz.

Ao longe, já era possível ver o lago e todos os cisnes que pareciam nem se importar com a temperatura negativa. Soltou um suspiro irritado ao ver que não poderia ficar sozinha, afinal. Um homem dividiria o espaço com ela. Aproximando-se mais, notou os traços familiares. Congelou quando Chuck virou e seus olhos se encontraram.

- Shane...

Ela virou, com a firme determinação de ir embora. Malditos cisnes. Não deu cinco passos antes que ele conseguisse alcançá-la.

- Shane, espera! - as mãos quentes, ainda que sem luvas, seguraram as dela. - Eu não vou deixar você ir dessa vez. Eu sei que tenho que explicar muita coisa. Muita coisa mesmo. Mas eu não podia te deixar sozinha hoje.

- Como você sabia que eu ia vir aqui? - finalmente virou para ele. Os olhos verdes sem nenhuma emoção.


- É o seu lugar preferido no natal. Era o meu palpite de sorte. Parece que eu acertei dessa vez. Escuta, eu sei que você não quer me ver. Eu entendo. Mas hoje..só por hoje. Lembra como nós prometemos que íamos passar o natal juntos? Antes de eu estragar tudo, claro..

- Exato, antes de você estragar tudo. O que te faz pensar que eu preciso da sua companhia?

- Foi aqui que a gente se conheceu. Há exatamente um ano atrás. Você não viria se não precisasse. E eu preciso de você também. Você sabe disso. Depois de tudo o que aconteceu...Como poderia ser diferente? Shane, eu não vou deixar você fugir dessa vez.

Chuck puxou-a mais pra um abraço desajeitado. Era quase fácil demais, devido a diferença de tamanho.

- Eu não vou mais te deixar, Shane. Nunca mais.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Segundo Ato


Dobrou o jornal ao meio e apoiou lentamente na mesa do Café. Cada movimento seu parecia extremamente calculado. Até o jeito de virar o pescoço para observar os outros clientes. Tamborilou os dedos na tampa da mesa, impaciente. Ele estava atrasado. Sorriu convidativamente para o garçom bonito que se aproximava. Ninguém disse que ela não podia se divertir enquanto esperava.

- O que eu posso trazer pra você? - ele sorriu abertamente.

- Um Frappuccino de Morango, por favor. - umedeceu os lábios com a ponta da língua e notou que ele prendera a respiração. Engoliu um riso de satisfação enquanto o garçom se afastava. Previsível demais. Fácil demais. Quase nem tinha graça.

Virou a cabeça na direção da porta quando ela se abriu. Sua intuição novamente se mostrara certa. Os passos largos e confiantes trouxeram ele para perto dela em poucos instantes. A garota morena ergueu o rosto, apenas para ter um beijo roubado. Franziu o cenho, observando ele puxar a cadeira e se jogar nela, sem cerimônia.

- Você demorou demais. Estava começando a achar que ia ter que me entreter com outras pessoas. - lançou um olhar de esguelha para o balcão do café onde seu garçonzinho pegava o pedido de um casal.

- Talvez...você ainda queira fazer isso. A Scarlett apareceu lá em casa ontem à noite.

- O que isso significa? - perguntou com a voz mais baixa, a confiança ligeiramente abalada.

- Eu não resisti, Shane. Eu sinto muito. - ele deixou os ombros caírem como se levassem um peso grande demais.

Ela parou tudo o que fazia. Naquele momento percebeu como ele era realmente. Só mais um. Apenas mais um.

- Você não precisa ligar mais. Eu não vou atender. - levantou e saiu sem olhar para trás uma única vez. Ele não a seguiu.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Primeiro Ato


Sentou no meio fio com a cerveja na mão. O gosto desagradavelmente amargo da cevada invadia sua boca a cada gole. Ainda assim, continuava tomando. Gole após gole. Garrafa após garrafa. Pressionou a têmpora com uma das mãos. Olhou o céu estrelado e deixou que um longo suspiro escapasse. Naquele momento e somente naquele momento estava permitindo-se ser ela mesma. Sabia que, enquanto estivesse sozinha, podia ser fraca. Podia se sentir indefesa. Não escutou os passos silenciosos atrás de si. Tampouco escutou quando ele se abaixou. Mas aquele par de braços que se enroscou ao redor dela, reconheceria em qualquer lugar. Não disse nada, não se moveu. Apenas continuou observando as constelações confusas.

- Vai ficar aqui fora pra sempre? - ele perguntou com a voz macia. - As pessoas estão sentindo sua falta lá dentro, sabia?

Ela piscou os olhos quase esverdeados. Abriu a boca, sem saber exatamente as palavras que iam sair dela.

- Eu só preciso de você aqui. Por favor...Não me solta. Me deixa ficar assim...Só mais um pouco.

Ele sorriu ligeiramente. Mergulhou o rosto nos cabelos dela, absorvendo cada aroma. Cigarro, shampoo, perfume, suor. Tudo misturado em um redemoinho de sensações. Apertou mais os braços ao redor dela. Sabia que era a única pessoa a quem mostraria sua verdadeira face algum dia.

- Temos todo o tempo do mundo, pequena.